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23/09/21

Mara Parrela na 15ª Primavera dos Museus - 2021, no programa "Contando histórias no Ponto".

 Mara Parrela, correspondente da AIAB na Holanda,

 participa no programa "Contando histórias no Ponto",

 que faz parte da 15ª Primavera dos Museus - 2021,

no Prêmio Internacional de Espírito Inclusivo.




Experiência cadeirante


Por Mara Parrela


Prometi para o grupo da Inclusão da AIAB-DF que eu faria a autodescrição da 91a Feira do Livro de Lisboa. Que eu veria tudo de cima, e poderia fazer uma narrativa do evento. Entretanto eu me coloco na posição de cadeirante, para contar para vocês a minha experiência nos aeroportos com cadeiras de rodas. Na verdade, a nossa experiência, minha e da minha amiga Zita, que me acompanhou ao evento.
Felizmente conseguimos pedir assistência no guichê da KLM na hora do embarque de Amsterdam para Lisboa, e todas as nossas bagagens ( 2 de mão e 1 de porão) foram despachadas embora acima do peso. A assistência deveria ter sido solicitada na hora da compra do bilhete, não na hora do checkin online, como eu pensava, e muito menos, no guichê, momentos antes do embarque. O aplicativo com o QR Code, para mostrar que fomos vacinadas assegurou nossa viagem sem precisar de testes de Covid, tanto na ida, quanto na volta.
Nos sentamos no local indicado para aguardar, apresentamos nossos cartões e passaportes e esperamos por cerca de 1h a chegada do funcionário da companhia que nos daria essa assistência. Era um senhor indiano muito simpático que carregava a cadeira da Zita e outro jovem, que carregava a minha. O senhor indiano disse que curou das artroses no joelho, as mesmas nossas, com um creme de Taiwan, que não se vende na Holanda, pois segundo ele, o creme é muito barato e bom, e as indústrias aqui não deixariam entrar na concorrência. Zita e ele trocaram telefones pois ele prometeu que quando fosse buscar de novo o creme, que traria para nós, na verdade, para ela. O nome dela , apelido aliás, tinha na India o nome da esposa dele. Taí o encantamento.
O Aeroporto de Amsterdam é enorme e da cadeira, ainda tivemos que ser transportadas por um carrinho, sem buzina que surpreende os desavisados. Não podem usar buzina e o espaço é aberto entre os passageiros com vários “excuse me, excuse me, excuse me”! Chegamos, embarcamos, sentamos nas nossas poltronas, nos serviram sanduíches e bebidas, café ou chá no final, revistas de bordo, um pouso meio desconfortável, o desembarque feito fila por fila para evitar aglomeração.
Quem me vê nas fotos que postei na 91a Feira do Livro de Lisboa, com vestidos ora esvoaçantes, ora acinturado, apontando para a torre gigante estampado o nome da Feira, num céu azul deslumbrante não imaginaria nunca que os joelhos e a coluna que sustentam aquele corpanzil, já não detém a força que corresponde à imagem empoderada! Eu cadeirante, muito fragilizada!
Quando chegamos em Lisboa, sabíamos que tinhamos chegado pelo pouso do avião mas também, por que faltaram cadeiras de rodas e funcionários para carregá-las. Um único e franzino funcionário teria que dar conta de transportar 5 passageiros e uma delas, muito maior que eu. Coitadinho! A própria aeromoça da KLM, tratou de subir a rampa do desembarque comigo para agilizar, do contrário, todos teriam que ficar na cabine do avião, esperando. Ela passou digamos “a bola” para frente. Para não dizer, a batata quente. Tivemos que esperar muito até que desistimos. Minha amiga Zita, quando foi a minha vez, se antecipou e como tem problemas mais nos ombros que nas pernas, decidiu que caminharia ao meu lado, se sustentando na cadeira. As bolsas super pesadas, claro, qual bolsa de mulher é leve, tive que carregar no colo. A de Zita também. Na cadeira não tem compartimento para bolsas ou sacolas. O trajeto não é tão longo quanto em Amsterdam mas ainda assim, sem a cadeira não daria conta. A coluna já sentida do voo, que não foi muito longo, mas ainda assim, trava. Antes não travava nada.
Uma pomada muito comercial aliviou um pouco as dores, mas desisti do salto alto. O acesso aos estandes da Feira, todos numa ladeira que quem conhece a Bahia, vai saber do que estou falando. Nada estava projetado pensando em cadeirantes ou para nós, eu e Zitinha, com dificuldades de locomoção.
Dinorá Couto Cançado na live da Rede Sem Fronteiras, “ Desconstruindo as dificuldades de inclusão” devemos cada vez e sempre que quando nos for dada a oportunidade ou quando não nos der, temos que que criá-las, reforçando sempre que em qualquer evento mas especialmente em grandes eventos, não podemos deixar de pensar nos idosos, nos surdos, nos gordos ou os de baixa visão. O caminho que nos levava aos estandes, era feito daquelas pedras irregulares e foi por sorte que Zita não quebrou o tornozelo. Nem bancos para sentar e descansar. O banheiro, tinha que subir por um tablado que só mesmo com uma boa ginástica. Um banco em frente ao estande da Rede Sem Fronteiras, a propósito, o único que teve uma programação 100% inclusiva, com linguagem de sinais e audiodescrição), foi um achado e um risco, pois estava com uma faixa que impedia que sentássemos como se tivesse com tinta fresca, não poderíamos sentar. Mas foi nosso banco de salvação. Do contrário, não conseguiríamos cumprir a tarefa de servir de plateia para os coautores todos, receber os amigos e leitores. As cadeiras de cada estande, eram contadas e reservadas apenas para os autores e para a organização do evento, que filmava e projetava todo o movimento. Quem quisesse se sentar teria que ir para os locais públicos ou para as praças de alimentação.
Na volta para Amsterdam, no guichê do Aeroporto quando fomos pedir assistência novamente, ouvimos que o pedido deve ser feito 48h antes do voo. Mas como, se teríamos esse tempo em Lisboa? Resultado: não teve cadeira para nós duas novamente. Zitinha ao meu lado, se arrastando. Ouvimos que lá também tem os carrinhos elétricos, como na Holanda mas por motivos desconhecidos, estão encostados há meses. O funcionário que carregava a minha cadeira, muito educado, estudando para ser piloto, com nome de comandante italiano nos deixou no portão de embarque e mais tarde, atrasada chegou a funcionária que nos levaria para pegar o voo. Teríamos que que tomar “uma carrinha”, como ela disse, um micro ônibus. Só eu, Zitinha e a motorista, muito simpática. Fomos as últimas a embarcar. Normalmente as primeiras e as últimas para desembarcar. Aqui também tivemos que esperar pelo funcionário mas diferentemente de lá, quem nos conduziu foram o comissário de bordo que levou Zita e o meu o próprio capitão. Nem acreditei quando na saída, nos ofereceram seus braços, sem distanciamento social ou preocupação com Covid. O capitão me perguntou o que eu fazia em Lisboa, se tinha parentes lá. Eu disse todo orgulhosa, que era escritora e que participava da 91 Feira do Livro, no estande da literatura brasileira, da Rede Sem Fronteiras. Andávamos bem devagarinho. Eu não queria que a minha experiência como cadeirante terminasse tão depressa. E falei: - Como escritora, minha cabeça voa, capitão. Ele parou, olhou para mim com dois lindos olhos verdes, apertou mais meu braço no braço dele. Senti como se ele dissesse para mim: - Pode voar. Eu também!



Um comentário:

  1. Para mim foi uma honra participar juntamente com a queridíssima e talentos Mara Parrela, de um projeto maravilhoso como este. Parabéns à todos pelo sucesso e excelente organizaçāo.

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