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18/02/23

Apresentação do dia 18/2/23: César Achkar Magalhães


                                                                       SANGUE QUENTE


Essa é uma expressão que aprendi com a geração dos meus pais, uma expressão que sinaliza um alerta, uma área de perigo, e o momento de parar tudo buscando com urgência a racionalidade.

Lembro da minha mãe, quando nos aconselhavam a não agir sem pensar, a “nunca agir com o sangue quente”. Ou seja, no momento da raiva.

A probabilidade de fazermos uma besteira, algo que nos arrependamos depois, é muito maior na hora em que estamos com raiva, com o tal do sangue quente.

Vou trazer um bom exemplo disso, com uma história que reflete bem esta realidade, do problema de ser movido pela emoção, guiado pelo tal sangue quente.

Um dia Evandro dirigia seu corcel velho, com a esposa e filhos, em direção a um aniversário de criança. A família de algum dos amiguinhos de seus filhos os havia convidado.

Era o tipo de programa inconveniente para ele. Ter que sair de casa, num final de semana, para visitar pessoas que ele mal conhecia. Ter que cumprir aquelas etiquetas de bom comportamento, boa educação, e demonstrar simpatia e satisfação pelas pessoas. Sendo que na verdade, Evandro preferia ficar quieto em casa, de bermudas e havaianas, assistindo TV deitado no sofá.

Reuniram-se todos da família, Evandro, a esposa e os filhos, e seguiram a caminho do aniversário. Evandro com seu mau humor, a esposa com a paciência de sempre, e as crianças eufóricas, pulando e fazendo barulho, no banco de traz do Corcel velho.

Poucos minutos depois de sair de casa, dirigindo o carro velho, chegou a uma avenida bem movimentada. Ficou ali no entroncamento, esperando uma oportunidade para ingressar na via preferencial. Depois de mais de um minuto esperando, viu uma brecha no trânsito, e arrancouesticando as marchas do corcel velho, para pegar velocidade. E seguiu na avenida principal. Porém, mal alcançou a velocidade do fluxo dos outros automóveis, ouviu o carro de trás  buzinando, e o motorista fazendo algum gesto, que não entendeu muito bem.

Evandro se irritou, e comentou com a mulher:

- Que sujeito mais estressado! Não tem como entrar nessa avenida, se não for assim, no arranque, se jogando entre os outros carros.

O sujeito buzinou novamente, e tornou a gesticular.

Evandro comentou:

- Que diabo! O que muda para ele? Eu entrei, estiquei as marchas, logo peguei velocidade... Ele teve que diminuir um pouco? Tá, mas já voltou a velocidade de antes. Pronto!

Novamente, ouviu o carro de traz buzinando.

Então se irritou, começou a xingar, botou o braço para fora da janela do carro, fazendo um gesto de “vá embora”.

O veículo buzinou novamente.

Evandro enfurecido, xingou novamente, e pôs a mão para fora da janela, só que dessa vez em um gesto mais ofensivo, com a mão fechada e o dedo mediano erguido. Em seguida, saiu da via preferencial, para uma transversal à sua direita, seguindo o caminho para a festa de aniversário.

Ouviu novamente a buzina. Era o mesmo carro de antes logo atrás do seu, que também dobrara à direita, seguindo o mesmo caminho. Evandro ficou enlouquecido, xingando nomes impronunciáveis, fazendo um gesto de quem chama o outro motorista para a briga, e diminuiu a velocidade, enquanto se deslocara para o acostamento. As crianças assustadas, seguiam em silêncio, enquanto sua mulher suplicava:

- Para com isso! Vamos embora! Olha o que você está fazendo, a confusão que está criando, desnecessária! E se esse cara estiver armado?!

Foi então que Evandro se deu conta, tanto do perigo eminente, quanto da sua própria imprudência, por ter agido impulsivamente.

Estava morrendo de medo, depois que sua mulher levantou a possibilidade do sujeito estar armado. Pois na verdade, tinha imaginado que ao bancar o “machão”, o outro sujeito é que fugiria com medo. E pensou: - E agora? E se esse cara estiver mesmo armado, e parar atrás de mim, e descer do carro...

Mas Evandro não podia mais recuar, e decidiu seguir blefando, bancando o destemido. Na esperança que o sujeito não estivesse armado, e recuasse. Além do más, o sujeito também podia pensar que ele é que estava armado, pensou. Então, parou o carro no acostamento.

O outro carro se aproximou, e parou logo atrás. Evandro desceu do carro, morrendo de medo. Mas, sem perder a pose, perguntou:

- Qual o problema?!

O outro motorista abriu a porta, e desceu do carro, porém não se deslocou. E de pé,atrás da porta, disse:

- É que a sua porta de trás direita está aberta. Eu tentei avisar... acho que você não entendeu, aí desviei meu caminho para avisar. Ví que tinha crianças no carro. Ainda bem que você parou! – Depois, sorriu, e entrou no carro.

- Ah tá... obrigado! – Disse Evandro extasiado. - Que vergonha! Pensou.

Voltou para o carro. A mulher e as crianças o olharam em silêncio, e seguiram viagem.

Pois é! Poderia ser uma tragédia, mas, nessa história, e por isso a escolhi, Evandro deu a sorte de aprender com seu erro, sem maiores consequências, apenas a vergonha de ter perdido a calma e a razão. E o sangue quente esfriou, sem nenhuma tragédia no final.

Por isso, quando perceber que a “temperatura subiu”, o sangue esquentou, “pisa no freio”, se acalma. O perigo não é externo, é você mesmo. Se corrija, antes que se arrependa de um erro e suas consequências, que poderiam ter sido evitados.

                                                                         Brasília, 16 de fevereiro de 2023

                                                                                      César Achkar Magalhães

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