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19/02/23

Apresentação do dia 19/2/23: Éder Fonseca

 O Divórcio

Éder Fonseca
Riacho Fundo II - DF - Brasil

Três batidas, um minuto depois e ninguém apareceu, então mais duas batidas. Toc Toc! Trinta segundos e nada, aí a mão incontrolavelmente vai de encontro a madeira oca, mas é surpreendida pelo som da chave girando na fechadura. E quando o quinhentos e quinze se abre revela.

— Maria Augusta?

— Sim, Carlos Daniel, sou eu!

— Ah, sim, claro, você tá aí né?

— Sim, eu moro aqui, esqueceu?

— Não, não Maria Augusta, de forma alguma!

— Então o que te trouxe aqui, parece que você tá meio ofegante?

— Ah, sim claro! É que eu já estava descendo as escadas, quando eu ouvi um copo se quebrando, na verdade pareciam ser vários copos, aí voltei correndo!

— Ah tá, mas não se preocupe, foi só um esbarrão e aí já viu né? Toda a bandeja foi pro chão!

— Mas você tá bem, não cortou?

— Não, não, tá tranquilo, pode ir de boa!

— Tomara que não tenha sido aquele jogo de cristais que eu te dei?

— Não, na verdade foi aquele jogo de copos de requeijão que sua mãe te deu e você não quis!

— Sério? Bom, mas se você quiser te ajudo a catar os cacos...

— Não, tudo bem, eu já tenho quem me ajude!

— E quem é?

Ele tenta olhar por cima dos ombros da moça...

Uma voz atrás da porta...

— Ei, peraí, essa voz eu conheço! E Carlos Daniel empurra a porta.

— João Marcelo?

— Oi Carlos! — responde João Marcelo com a vassoura na mão.

— O que você faz aqui, João?

— É... Então...! — Maria Augusta interrompe.

— Ele está aqui me ajudando nesses dias difíceis!

— Ajudando com o quê, Maria Augusta?

Ela gargalha.

— Desde quando eu lhe devo satisfações, Carlos Daniel?

— Apunhalado pelas costas pelo meu melhor amigo!

— Calem a boca! Alguém gritou de algum apartamento.

— Para de show, Carlos Daniel; sussurra Maria Augusta.

— Ninguém aqui te apunhalou, nós não devemos explicação a você ou a alguém desse prédio ou de qualquer outro lugar!

— Então por que você tá falando baixinho?

Ela puxa Carlos Daniel para dentro do apartamento e fecha a porta.

— Fique você sabendo que eu estou na minha casa, e nela trago quem eu quiser!

— Mas tinha que ser o meu melhor amigo, Maria Augusta?

— Mas ele também é meu amigo!

— Hoje, pra mim, ele não passa de um traidor. Judas!

— O João Marcelo me convidou pra almoçar e eu aceitei!

— Como assim, te convidou pra almoçar?

— Sim, convidou, algum problema nisso?

— Mas te convidou pra almoçar na sua casa?

— Olha Carlos Daniel, você tá parecendo o Roberto Carlos, se apega muito em detalhes, mas hoje não estou com tempo e nem paciência pra explicar!

Maria Augusta sai para a área de serviço e deixa os dois homens se, encarando na sala.

— Como você pode João Marcelo? — fala Carlos com as mãos na cabeça e os olhos lacrimejando.

— Cara, eu não...

João Marcelo tenta dizer, mas é interrompido pela ira de Daniel que parte para cima do amigo.

— Eu devia te enforcar; te espancar com essa vassoura; e, quem sabe, pra encerrar, te jogar no poço do elevador!

Maria Augusta se enfia entre os dois.

— Não, não, não! Ninguém aqui vai fazer nada com ninguém.

— Eu concordo! Diz João Marcelo.

— Cala a sua boca, seu traidor! Fala Carlos.

— Mas de toda forma, aqui não tem elevador! Diz João Marcelo enquanto sorria pensando nisso.

— Cala a sua boca João! — disse juntos, Maria Augusta e Carlos Daniel.

— Olha só, explica Maria Augusta, o João veio pra cá para me fazer companhia. Há muito tempo eu estou sozinha!

— Mas já te falei, eu estou sempre aqui pra você!

Augusta respira fundo.

— Carlos, nós não estamos juntos há anos, na verdade nem existe mais nós!

— Foi ele, aposto que foi ele quem fez a sua cabeça! Diz Carlos Daniel apontando o dedo para João Marcelo que está escondido atrás de Maria Augusta.

— Não tem nada a ver Daniel! — fala Maria.

— Claro que tem. Ele é um traidor, nós tínhamos um trato!

— Que trato João Marcelo? Ela quer saber.

— É, pois é, que trato? — balbucia querendo saber João Marcelo.

— Não se faça de desentendido. Nós tratamos que nunca iria ficar com a mulher um do outro!

— O quê? Nós tínhamos onze anos Daniel!

— E daí? Nosso trato era vitalício!

— Eu estava com os dedos cruzados!

— Tá vendo Maria Augusta, esse cara é inconfiável!

— Você tá falando sério João Marcelo? Fala Maria encarando o sujeito. João Marcelo, entorta o pescoço e esfrega a mão na nuca.

— É, eu tenho assim uma vaga lembrança, mas talvez tenha me confundido!

— Mas escuta Carlos Daniel, que história é essa de eu ser sua mulher?

— Ué, é, não é?

— Claro que não Daniel. Separamos “há dez mil anos atrás!”

— “Não precisa tá junto pra tá perto!”

— Tá vendo, você não desapega!

— Não é bem assim!

— Ah, não? Cara eu não posso postar nada nos stores que você aparece, se deixo nos status que tô no banheiro, você comenta, quando eu gravo um vídeo na zumba, lá vem você e diz: “Nossa minha gata como você tá linda!”. Isso é desapegar?

— Fique sabendo que há quinze dias, eu nem vejo o que

você postou!

— Eu te bloqueei!

— Sério? — engoliu seco. — Nem percebi, tá vendo?

— Carlos Daniel, eu te pedi o divórcio há anos!

— Ei, se tem divórcio, então tecnicamente, ela não é sua mulher!

— Claro que é, eu não assinei o divórcio!

— Sabe Daniel, você assinou sim!

— Assinei? — ele franze a testa.

— Há duas semanas!

— Você também me enganou?

— Não você que sempre assinou tudo sem ler. Eu disse que isso um dia poderia te complicar!

— Mas você me disse que era um abaixo assinado pra instalar um elevador aqui no prédio!

—Não fique assim, — ela apoia as duas mãos nos ombros de Daniel, — você participou do abaixo assinado, mas lembra quando você me perguntou para que servia aquele papel crepom entre as folhas, e eu disse que tinha que ter uma cópia? Pois é, embaixo dele estava a minha liberdade!

— Olha Maria Augusta, eu esperava de qualquer pessoa, mas de você... logo de você!? — Carlos sacode a cabeça com decepção. — Vocês, deveriam ser atores. — aponta ele para João Marcelo. — Você, seu traidor, você cairia bem no papel de Jeremias, — olha ele para Augusta com a testa franzida, — você ficaria perfeita como Maria Lúcia, e eu... claro que seria João de Santo Cristo! — desanimado procura um assento. — Acho que não estou bem!

João Marcelo e Maria Augusta amparam Daniel e o levam até uma poltrona.

— Sente-se aqui! — disse João.

— Calma, calma, respira Carlos Daniel! — Augusta faz um carinho na cabeça de Daniel.

— Não sei como pode ficar com um cara que morou com a mãe até os quarenta anos, Maria Augusta!

— Nossa, como você é machista Daniel!

— E tem mais, eu não moro com a minha mãe, não mais!

— Mas você falou pra Maria, porque você mudou de lá?

— E para quê que eu ia dizer, o que é que tem a ver?

— É João Marcelo, me diz aí, agora quero saber o porquê da sua saída de lá! — Maria Augusta, cruza os braços franze o senho e encara João!

— Então meu amor, saí por que achei que já era hora de respirar novos ares!

— Ele saiu por que foi colocado pra fora!

— Não foi bem assim!

— Ah não, então como foi, João Marcelo? — interroga Maria Augusta. João Marcelo arregala os olhos.

— Ele foi expulso!

— Expulso?

— Não foi bem assim! — João Marcelo deixa escapulir um sorriso amarelo. — Ah, eu te mato, seu...! — completa falando entre os dentes.

— É João, fala pra ela!

— Olha só, minha mãe apenas sugeriu que eu saísse para procurar emprego, quem sabe uma namorada e quiçá até conhecer o mundo!

— Conhecer o mundo sem trabalhar, João Marcelo? — ela esfrega as mãos no rosto. — Achei que você tinha mudado, e foi o que você me disse, e o que é pior, você disse que toda essa mudança de atitude era por mim!

— Ah, você acreditou? — gargalha Daniel.

— Olha só, quer saber...? — Augusta caminha até a porta do apartamento. — Fora daqui todos vocês! —com o braço. Ela indica a saída.

João Marcelo pega sua mochila no canto do sofá, acerta as alças nos ombros, caminha até a porta e para enfrente a Maria Augusta, mas ela não devolve o olhar. Carlos Daniel, levanta devagar da poltrona e segue até a saída, faz menção de parar, mas ela o empurra para fora da sala.

Os dois sujeitos do lado de fora se entreolham, e a porta bate ao lado deles.

— E agora, pra onde vamos? — pergunta João.

— Não sei você, mas eu vou voltar pra minha casa!

Eles começam a caminhar quando surge na escada vindo de baixo um sujeito de terno e gravata com uma mala preta em uma mão e na outra carregava uma flanela xadrez.

— Srs. Que bom vê-los aqui! — o homem esfrega a flanela na testa. Os dois homens observam a cena. — Ah, isso? — sacode o pano. — Coisas da minha mulher. Aí sabe como é, a gente acaba concordando pra não arrumar confusão, mas falando nisso...! Por um acaso vocês sabem onde fica a porta quinhentos e onze?

— Sim, eu moro lá!

— Ah que ótimo! Por um acaso você é o Carlos Daniel? — fala o homem de terno lendo uma folha ao abrir a pasta.

— Sim, sou eu!

—Maravilha! Vou economizar uma caminhada. — o Sr. tira alguns papeis da maleta e puxa uma caneta azul do bolso de dentro do terno. — Olha só Sr. Daniel, sou oficial de justiça e preciso que você assine aqui. — Daniel assina. — Aqui também! — o oficial confere e destaca uma via e entrega a Daniel. — Tá aqui sr. boa tarde aos dois! —

Daniel e João Marcelo olham fixamente para o papel. —

Caras, vocês têm que fazer um abaixo assinado pra colocarem um elevador aqui! — fala o Sr. de terno

enquanto descia as escadas.

— O que diz aí Daniel?

“Sr. Carlos Daniel da Silva, é necessário que desocupe o imóvel referido no caput deste documento, em até quarenta e oito horas ou sofrerá ação de despejo sem aviso prévio”— leu Daniel.

— Cara, o que eu vou fazer agora?

— Bom, você eu não sei, mas me bateu uma saudade do feijão da minha mãe!

Vinte e quatro horas depois, uma campainha tocafreneticamente.

— Calma, calma. Parece que vai tirar o pai da forca, eu hein! — uma Sra. abre a porta rapidamente. Depois de alguns segundos boquiaberta, com palavras entrecortadas ela consegue dizer:

— Carlos Daniel, o que faz aqui? — ele sorri.

— Ah mãe, vim lhe visitar, não posso? — abre os braços e abraça a mãe.

— Claro que pode meu filho, mas é que você não fala comigo há uns oito anos. Nem se quer um zap, e além de tudo disse que não voltaria mais a esse lugarzinho?

— Mãe, isso são águas passadas!

— Sei, e essas malas?

— Ah, não se preocupe, vou ficar só esse fim de semana!

— Vou pedir para o Jorge Henrique ajudar aqui!

— Quem é Jorge Henrique?

— Meu Namorado!

— Como assim, mãe, seu namorado?

— Sim, meu namorado!

— Mãe, você já esqueceu o papai?

— Carlos Daniel, seu pai já morreu há mais de dez anos!

— Tá vendo, por isso eu não queria voltar aqui, a sua memória afetiva é muito curta!

Brasília, fevereiro de 2023

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